Sábado, 24 de Maio de 2025
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Conceição do Piancó e seus rastros de sangue

A vingança foi uma das manifestações mais horrendas que essa cultura sanguinária aflorou no sertão, o que ocasionou um ciclo quase que interminável de violência.

20/07/2021 às 14h09 Atualizada em 21/07/2021 às 20h28
Por: Silvio Darlan
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Igreja Nossa Senhora da Conceição, 1949
Igreja Nossa Senhora da Conceição, 1949

 O sertão da Paraíba sempre foi palco de grandes acontecimentos históricos, que colocaram os conterrâneos em uma prova de fogo, numa incansável luta pela sobrevivência aos longos períodos de estiagem que sempre foram dos maiores desafios.

Ao me debruçar sobre a história de Conceição do Piancó (PB), cidade que na segunda metade do século passado foi cenário do maior período de violência rural que se tem notícias até hoje, posso dizer que ainda fico estupefato ao ouvir narrativas e comparar com documentos oficiais e históricos.

Ainda hoje ao chegar em alguns locais, quando me apresento dizendo que nasci em Conceição, algumas pessoas relatam com espanto as histórias que circulavam pelo estado nos anos 1960/1970, certas vezes comparavam Conceição com a cidade de Catolé do Rocha, também na Paraíba.

O índice de criminalidade naquela época era assustador, e vários são os motivos que fizeram com que Conceição do Piancó fosse abrigo de jagunços que fugiam de seus estados de origem como o Ceará, Pernambuco e até de regiões como o norte da Bahia, e para patrocinar esse abrigo a impunidade e a falta de estrutura mínima de um aparato policial se associava a um dos fatores preponderantes que era um fenômeno muito comum em algumas propriedades rurais que se chama “acoitar”, que em traduções mais simplórias significa dar abrigo, refúgio a jagunços com objetivos mais diversos, desde a garantia de proteção das suas terras, até a realização de crimes, que por sua vez era freqüentemente utilizado na prática de vingança.

A vingança foi uma das manifestações mais horrendas que essa cultura sanguinária aflorou no sertão, o que ocasionou um ciclo quase que interminável de violência.

Essa prática se misturava nas relações familiares e políticas, um episódio de violência desencadeava uma seqüência de crimes  e por diversas vezes faziam vítimas que não tinha menor relação com o primeiro crime.

Os jagunços que mencionei no início, se fixaram em Conceição, principalmente na zona rural, e para conseguir escapar das buscas de volantes de outros estados, mudavam até mesmo o próprio sobrenome e assim permaneceram por anos por lá, quase todos já falecidos, seus descendentes talvez nem saibam, muitos crimes nunca foram elucidados e na grande maioria os familiares das vítimas evitam falar abertamente, esse assunto é um grande tabu, eu até entendo estamos distantes pouco mais de trinta anos do último crime desses tempos de sangue.

No meu trabalho de documentação histórica irei pontuar aspectos que não desperte esse ímpeto sanguinário da época, de fato são relatos intrigantes que irei utilizar de recursos da literatura para contar diante de um enredo, com personagens com nomes fictícios, as cenas de violência, isso para preservar seus familiares, será uma trama que inicia com o homicídio do Padre Formiga até os últimos anos que eclodiu a maior violência, os nomes não irão aparecer, mas quem conhece Conceição saberá até os últimos RASTROS DE SANGUE.   

  

Silvio Darlan
Silvio Darlan
Sobre Advogado e professor, em Direito Público atua como assessor jurídico da Fundação Ernani Sátyro do Governo do Estado da Paraíba. Escreve e pesquisa sobre história, cultura e literatura brasileira.
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